Sinais de estagnação nos semáforos brasileiros

Passeando pelas ruas da nossa bela cidade, muitas imagens saltam aos olhos. Carros reluzentes, lindas mulheres, belas praias, a tecnologia cada vez mais presente nos semáforos e avenidas. No sinal, o jornaleiro mais esperto anuncia a manchete do jornal com as veias saltando ao pescoço. Um garoto se aproxima e pede um trocado ao “tio”, com o desejo de ajudar mamãe, comprar um picolé ou um pouco de cola que o ajude a atenuar a dor que corrói suas esperanças.

Olho para o menino de alto a baixo: pés descalços, camisa suja, calçãozinho desfiado. Estaco minha vista, ali entre as sobrancelhas, onde dizem se localizar a consciência superior. Um manancial de riquezas quase sem limites dormitando atrás de uma cabecinha  provavelmente empestada de piolhos. Paralisada, ela se extravia e se perde nas imagens que é capaz de criar. Ilusões de um menino que ainda sonha com fadas, bichos falantes, dinheiro caindo do céu, pedras transformadas em pão. Estagnada, mal desenvolveu a capacidade da fala e da expressão. Nunca irá além, se não lhe for dada a oportunidade de sonhar imagens de auto-desenvolvimento, capacidade criativa,  relacionamentos equilibrados e estáveis com os semelhantes.

O sinal abre e, junto com o automóvel, meu pensamento decola, abismado numa dolorosa lógica. Pergunto a mim qual é a diferença entre nós. Primeiro, penso se meu coração bate melhor. A resposta é não. Penso se o meu fígado, estômago e rins operam melhor. Mais uma vez a negativa clara. Penso se tenho maior capacidade auditiva ou visual. Lembro da miopia e percebo-o até mais privilegiado.  Tento enquadrar agora minhas roupas, carro e os lugares freqüentados. Lembro imediatamente do último rico suicida e mais uma vez não encontro resposta satisfatória. Um pouco acima dos olhos percebo uma diferença aparente: uma mente treinada; acostumada aos devaneios intelectuais típicos de um adulto moderno; habituada às letras e aos números.  A diferença não é mais que aparente mesmo. Ali, entre aquelas sobrancelhas, potencialmente encontra-se um pintor, um industrial, um engenheiro, um médico ou um sacerdote. Poderia ser um Einstein, um Pascal, um Gandhi, um Betinho ou mesmo um homem comum, como eu, vivendo uma vida digna, produtiva e honesta.

O estômago pede um trocadinho, mas a mente suplica conhecimento, saber. A sociedade não considera aceitável simplesmente dar-lhe o pão. Ao mesmo tempo, nega-lhe o mais essencial: o acesso ao conhecimento, à sabedoria, à capacidade de auto-sustentação e auto-discernimento. Criminosamente, cortam-lhe o acesso à fonte da prosperidade, da riqueza  e da auto-realização.

Pobre sociedade, esta que ignora a necessidade do desenvolvimento humano em prol de realizações imediatas e visíveis. No afã por conquistas e celebrações, muito valoriza construção de aeroportos, estradas, siderúrgicas, portos e refinarias, sujeitos ao desgaste, à ferrugem e à obsolescência tecnológica. Renega ao último plano o desenvolvimento intelectual dos seus patrícios. Supõem que o veio de riqueza gerado por infra-estruturas comerciais e industriais é capaz de suprir as necessidades básicas de milhares de pessoas, quando essas é que deveriam, com o despertar de seus potenciais, direcionar a criação e multiplicação dos fatores de riqueza. Implicitamente, negam os lucros e dividendos do investimento humano,  por sua natureza flexíveis, mutáveis, evolvíveis e de grande duração.

A capacidade de geração de empregos e riqueza de nosso país sofre com o avanço tecnológico de outras nações que, verdadeiramente, valorizam o ser humano e o conhecimento. Lá, sobra prosperidade. Aqui, a ignorância, a miséria e a fome. Enquanto isso, as elites dirigentes que tanto valorizam as riquezas visíveis obrigam-se a ceder os espaços tão ciosamente defendidos. Negando a distribuição de conhecimento e sabedoria entre seus compatriotas, vão perdendo para os estrangeiros mais instruídos. Enquanto empresas são adquiridas por forasteiros espertos, nossa cultura é afetada pela invasão silenciosa dos valores, costumes e capitais externos. Se antes eram necessárias armas e canhões, hoje tomam o poder pela apelação da  música, do cinema e da atraente tecnologia. Ignominiosa contradição: os inteligentes e sábios do poder, mais interessados em preservar seus próprios negócios, acabam perdendo o que defendiam com tanto ardor e diligência.

A abertura do sinal evocou em mim a imagem de outro menininho. Com uma cesta de ovos em cada  mão, bate de porta em porta, ouvindo nãos e mais nãos à singela oferta da necessidade básica. Em outros dias carrega legumes e verduras pelas ruas esburacadas do subúrbio, contando com as sobras para ajudar no almoço de casa.  Neguei ali a moedinha tão desejada, na esperança de que o mesmo rancor saudável pudesse acionar a centelha de auto-desafio que, em todos os tempos e em todos os povos,  sempre operou grandes milagres de regeneração, prosperidade e crescimento.

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